Série de entrevistas coloca luz sobre mulheres inspiradoras do mercado da música
Em meio a tantos shows e festivais, poucos sabem, mas há muita gente por trás das engrenagens que faz tudo acontecer. E um dos grandes nomes desse mercado é o de Mariana Ribeiro, CEO da B’Water, empresa responsável por proporcionar soluções rápidas e eficazes na produção destes eventos.
O mercado do entretenimento do país faturou, em 2023, mais de R$290 bilhões de reais, segundo dados da Aprape, e empregou mais de 6,6 milhões de pessoas na indústria. Estar envolvida no meio de tudo isso pode ser uma tarefa incansável, ainda mais para Mari, que também leciona na On Stage Lab, a primeira escola voltada para a formação de profissionais do mercado de showbusiness da América Latina -, com o curso Gestão de Entretenimento. “É gratificante olhar para trás e ver tudo o que já fiz. Isso me moldou para todas as adversidades que enfrento hoje. Penso nas próximas gerações e quero profissionais aptos a trabalhar no mercado atual, empenhados, da mesma forma como me sinto", reflete.
Confira a entrevista completa, que finaliza a nossa série de conversas com mulheres inspiradoras do mercado da música:
WP: São mais de 2100 shows em que você atuou em sua carreira. O que você acredita que foi determinante para você não apenas entrar no mercado da música, mas chegar a este número e ser reconhecida como uma das grandes profissionais do mercado?
Mari: Sem sombra de dúvidas, desde o início, decidi não deixar escapar a oportunidade. Assim que percebi que era o que queria, fixei na mente que faria tudo para alcançar meu objetivo. Não apenas acreditar em mim mesma, mas também prestar atenção e aprender com as pessoas que tive a sorte e a honra de compartilhar aquele momento inicial, foram extremamente generosas, ensinando-me de maneira incrível. Corri atrás, esforcei-me, não pulei etapas, não cortei caminhos. Desde o início, decidi seguir o passo a passo para chegar onde queria. Esse método fez-me deixar de ser apenas uma produtora de uma casa de shows para me tornar uma gerente de palco, uma mulher em um ambiente predominantemente masculino, o que continua sendo até hoje, embora naquela época fosse quase exclusivamente masculino.
Entendi a mentalidade do carregador, da pessoa que está ali empurrando a caixa, para um dia poder liderar um projeto e entender as dificuldades de cada área. Aprendi aos poucos, sem pular etapas, assim como alguém que decide fazer autoescola para aprender a dirigir, em vez de pegar os vícios de alguém. Decidi construir meus próprios hábitos. Isso foi um dos pontos determinantes. Sempre soube expressar minha opinião, nunca me calei diante de situações complicadas. Podia ser voto vencido, mas jamais deixei de expor minha opinião, de sugerir alternativas. Não parei de aprender, de me especializar e de buscar outras alternativas. Aprender a ouvir de verdade é essencial. Quando ouvimos com os olhos da alma, absorvemos o conteúdo e o levamos conosco para sempre.
WP: Se for para citar um momento especial na sua carreira, qual seria?
Mari: Eu sou uma pessoa extremamente privilegiada. Lutei muito para alcançar esse privilégio, porque acredito que a sorte nos acompanha em vários momentos da vida, mas também acompanha quem busca oportunidades. Um momento especial na minha carreira foi continuar trabalhando durante minhas duas gestações, do Ian e da Livy. Ian estava com seis a sete meses de gestação quando trabalhei no Rock in Rio de 2001. Foi incrível ver meu corpo mudando enquanto eu podia exercer minha função profissional, me preparando ao mesmo tempo para ser mãe pela primeira vez.
Livy veio em uma fase maravilhosa da minha vida, com cinco ou seis meses de gestação, enquanto trabalhava no Free Jazz, que depois se transformou no TIM Festival. Entendi que poderia conciliar maternidade e carreira. Não precisei abrir mão de ser mãe para construir uma carreira sólida, nem abrir mão da carreira por estar me tornando mãe. É possível fazer as duas coisas e isso é muito significativo para mim. Ainda hoje ouço pessoas questionando se uma mulher pode ser escolhida para um cargo por medo de gravidez, mas isso não deveria ser um obstáculo. A gestação não é uma doença, pelo contrário, traz ainda mais motivação. Claro, há exceções, mulheres que enfrentam gestações complicadas. Mas para mim, perceber que poderia mudar, me tornar mãe e continuar trabalhando foi maravilhoso.
WP: Hoje você é Diretora Geral da B’Water. No que exatamente a B’Water atua dentro do mercado da música?
Mari: A B'Water é incrível! É mais do que uma simples agência, é como uma caixa de ferramentas para o marketing de experiência. Atualmente, a B'Water atua de diversas maneiras: desenvolvendo projetos próprios, oferecendo consultoria para o crescimento de produtos como shows, artistas, festivais e competições de eSports. Atuamos em várias áreas, desde a produção até a gestão de eventos. Muitas empresas nos contratam para esse fim, não apenas clientes finais, mas também outras agências. Não vemos outras agências como concorrentes; pelo contrário, nos adaptamos ao ambiente em que estamos trabalhando.
Se estamos atendendo outra agência, nos alinhamos com seus valores e objetivos, garantindo a satisfação do cliente final. Oferecemos uma abordagem flexível, ajustando-nos às necessidades específicas de cada projeto. Não se trata apenas de mostrar nossa marca, mas de ser genuínos em nossas ações. Acreditamos que a autenticidade é fundamental para manter relacionamentos de longo prazo.
Nosso objetivo é trazer propostas inovadoras para o mercado, proporcionando soluções sob medida para cada cliente. Por que gastar recursos em uma estrutura completa para um evento pontual? Venha conversar conosco na B'Water e vamos encontrar uma solução adequada para suas necessidades. O que mais me entusiasma é que a B'Water é uma verdadeira contadora de histórias, desde sua essência até sua estrutura.
WP: Temos visto a quantidade de festivais brasileiros crescer cada vez mais. Como você enxerga a produção e organização desses festivais?
Mari: Acredito que houve melhorias significativas, mas ainda temos um longo caminho pela frente. Desde os anos 90, tenho observado que aprendemos com nossos erros e buscamos aprimorar em cada evento. Houve um progresso na profissionalização, nas regulamentações e nas legislações, mas ainda há lacunas a serem preenchidas.
Falta uma visão mais profunda e personalizada de gestão para cada tipo de festival. Não se trata apenas de estrutura; é necessário entender o perfil do público, seus hábitos, preferências e comportamentos. Construir uma operação sem levar em consideração esses aspectos é ineficaz. As pessoas não se adaptam a algo que não é adequado para elas.
Cada segmento de festival tem suas peculiaridades. Não podemos aplicar uma abordagem genérica. Por exemplo, o público de um festival de rock não é o mesmo de um festival de música eletrônica. Precisamos reconhecer e respeitar essas diferenças para proporcionar uma experiência positiva aos participantes.
Estou comprometido em discutir e buscar maneiras de melhorar a experiência do público. Acredito que, ao reconhecer essas lacunas e trabalhar para preenchê-las, podemos elevar a qualidade dos eventos e proporcionar experiências mais gratificantes para todos os envolvidos.
WP: O acesso à cultura, e isso claro também engloba os shows, ainda é muito excludente pelos altos preços de ingressos. Você acredita que existe uma solução para esse problema?
Mari: Aí, precisamos dividir em dois momentos, certo? Quando se trata de shows e eventos internacionais, lidamos com uma carga tributária enorme e um custo de câmbio elevado. Chegar ao break-even é essencial. Os ingressos costumam ser caros porque os promotores já consideram a meia-entrada, que muitas vezes é o ponto de equilíbrio financeiro.
Agora, nos eventos nacionais, embora a carga tributária seja alta, não chega a ser tão pesada quanto nos internacionais. Temos leis como a da meia-entrada, que é positiva, mas pode onerar os promotores. A receita é tributada integralmente, mesmo com descontos, o que limita a flexibilidade de ajuste nos preços devido ao alto risco envolvido.
Quando falamos de bilheteria, muitos a veem como uma grande receita, mas na verdade é uma grande incerteza. Mesmo apostando em artistas de renome, há sempre o risco de prejuízo. É comum vermos grandes nomes internacionais que tiveram dificuldades na venda de ingressos.
Precisamos de uma legislação mais adequada para o mercado do entretenimento, não apenas sobre ingressos, mas também para a operação e estrutura de eventos. Atualmente, enfrentamos obstáculos desde a contratação de fornecedores até a montagem de estruturas, o que eleva os custos. Facilitar a obtenção de incentivos fiscais também seria fundamental para tornar os eventos mais acessíveis e viáveis financeiramente.
WP: Temos falado sobre a atuação de mulheres dentro do mercado da música. Como você tem visto de perto essa questão?
Mari: Estamos começando a ocupar mais espaço, o que me deixa feliz. Ainda sou uma das poucas mulheres em salas de reunião, especialmente em cargos de gestão. Antes, eu não reparava tanto nisso, mas agora tenho notado mais. Parece que está incomodando mais, sabe? Você está lá em uma sala com vinte homens e, de repente, a mulher mais próxima está cuidando da ata, como se fosse apenas uma secretária. Não que o papel de secretária não seja importante; aliás, para pessoas inteligentes, sabemos que a secretária muitas vezes é mais importante que o diretor. Mas é sobre a posição, entende? Acho que estamos melhorando, estamos caminhando para mudar essa situação, mas ainda falta muito. Não podemos ser hipócritas.
WP: Você é profissional da música desde 1994. O que você vê que mudou positivamente de lá pra cá?
Mari: O que mudou principalmente foi o formato dessa entrega. Os grandes nomes não mudaram muito, e a forma de negociar também mudou pouco - o que é uma pena, pois há algumas áreas que precisamos melhorar muito. Mas a entrega em si ficou diferente. Conceptualmente, os artistas estão mais abertos a entender o show como uma grande experiência de entretenimento. O público fica cada vez mais surpreso com as entregas, surpresas e novidades durante o show.
Algumas intervenções são extremamente exageradas e poderiam ser evitadas na maioria das vezes. Há coisas muito megalomaníacas. Por exemplo, a turnê 360 do U2 tinha tantos elementos tecnológicos que você mal prestava atenção na banda. Embora eu seja uma fã incondicional do U2 e tenha adorado a POPART tour, achei que a 360 tour exagerou um pouco. Não vejo esses exageros como erros, mas como ajustes. Com o avanço da tecnologia e o desejo de encantar o público, é natural querer incluir cada vez mais elementos. Aos poucos, estamos chegando a formatos mais interessantes.
WP: Para finalizar, qual ou quais conselhos você daria para quem deseja entrar no mercado da música, em especial na área de shows e festivais?
Mari: Não perca nenhuma oportunidade. Se o trem está parado na estação, pule; não perca tempo. Deixe-o partir e vá avançando, cabine por cabine, vagão por vagão. Não tente alcançar o topo rapidamente, pois isso não é sustentável. O mercado não é fácil; é desafiador. Ainda é muito fechado, com muitas indicações de "amigos de amigos", mas há espaço para sangue novo!
Não seja hesitante; aja! Escute verdadeiramente e não deixe de questionar. Pergunte sempre, pois nenhuma pergunta é estúpida. Questionar é importante para provocar pensamentos e incentivar perspectivas diferentes.
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